&Agrave; Musa<br />Escrevo poesia para matar o Tempo.<br />Lan&ccedil;o no mar da escrita a minha vela<br />e rabisco no papel um gr&atilde;o esquecido<br />- &eacute; que, perdido na Noite, quero ser achado<br />no brilho dos teus olhos nunca visto.<br />Se insisto, se teimo no papel a pena<br />e a tinta azul ou negra, se n&atilde;o desisto<br />- &eacute; que, perdido na Noite, quero ser achado<br />no brilho dos teus olhos nunca visto.<br /><br />Constanta (2005)<br /><br />Nasci no Sul da minha terra, l&aacute; onde&nbsp;<br />crescem a esteva, a oliveira, o trigo&nbsp;<br />e a laranja redonda, ao sol, se alaranja.&nbsp;<br /><br />Fui &agrave; guerra como o soldadinho do Pessoa:<br />esse mesmo, <i>o menino da sua m&atilde;e</i>,<br />s&oacute; que tive sorte e n&atilde;o levei dois tiros.<br /><br />Abundo de canudos universit&aacute;rios:<br />bacharel, licenciado, mestre e Doutor,<br />que n&atilde;o fizeram de mim um homem rico,<br />mas - que pena! - nem sequer um rico homem.<br /><br />Ensinei a minha l&iacute;ngua por dec&eacute;nios&nbsp;<br />com alguma compet&ecirc;ncia, l&aacute; por longe,<br />e posso at&eacute; decorar-me o pesco&ccedil;o com algo&nbsp;<br />muito mais do que uma simples comenda.<br /><br />Andei por onde Ov&iacute;dio triste chorou,&nbsp;<br />amaramente. Vi Delfos e os loureiros,&nbsp;<br />mas n&atilde;o falei com a P&iacute;tia. Amei&nbsp;<br />e fui talvez amado. Voltei a casa&nbsp;<br />cansado da viagem. Voltei a Lisboa,&nbsp;<br />da qual alguns antigos diziam antigamente:<br /><i>Quem a n&atilde;o viu, n&atilde;o viu coisa boa</i>,&nbsp;<br />e agora, espero aqui, <i>onde a terra se acaba&nbsp;</i><br /><i>e o mar come&ccedil;a</i>, com algum pouco siso&nbsp;<br />e versos, o C&eacute;u, o &Eacute;den, o Para&iacute;so.<br /><br /><b><i>Ant&oacute;nio M. Ferro</i></b><br />Lisboa (2022)